segunda-feira, 11 de abril de 2011

Conto: Azul

Bruna Martins

O céu. O mar. Palmeiras, arbustos, pedras, areia. O assobio dos pássaros, do vento, o som das ondas. O gosto salgado do ar que respiro. Corro, encontro um bote, mas não vejo ninguém. Corro. Corro e retorno ao mesmo lugar. Grito, espanto os animais próximos, e meu eco me responde que estou só. Assento à sombra de uma palmeira, pedindo para que se isso for um sonho, eu possa acordar logo.
Fico ali parada, me perco em meus pensamentos de como fui parar ali, e como posso me salvar. Até que o sol escaldante me alcança, minha sombra se vai, forço os olhos para mantê-los abertos. Se eu ainda tenho esperanças e viver e finalizar meus sonhos e desejos que deixei incompletos do outro lado do oceano, é este o memento de me levantar.
Sinto a boca seca e o estômago vazio. Mas não há nada que eu possa comer. Apalpo os bolsos na esperança de encontrar algo que possa me ajudar. Encontro um elástico, uma gominha, fico com raiva, desapontada, descrente, mas a coloco no braço e volto a procurar. O segundo item é um canivete, pulo de alegria, é até difícil de acreditar, e ao olhar mais atentamente para as facas encontro algo gravado: “Cruzeiros Mar A Mar”.
E então me lembro de tudo... A festa na proa do navio, as músicas, as danças, crianças brincando, e acima de nos o céu mais estralado que já vi. E o mar, tão calmo, tão belo, tão sereno. Todos estavam celebrando quando um pé do meu brinco deslizou em meu vestido, caindo ao chão. Abaixei-me para pega-lo. Mas ao me levantar todos haviam se calado. A música tocava ao fundo mas ninguém se movia. Os corpos começaram a cair, divididos pelas metades. Somente eu e duas crianças estávamos de pé. Olhei em volta e compreendi a situação. Um cabo de aço havia se soltado, e com muita força e velocidade passou por todos os passageiros, cortando-os logo acima da cintura. Desesperada, procurei por alguém que assim como eu havia sobrevivido. Mas aquelas duas crianças chorosas e assustadas eram as únicas. O cabo danificou a cabine e impedira o barco de se direcionar. Precisava sair dali. Peguei as crianças ao colo e entrei em um bote salva-vidas que ainda estava inteiro.
Agora choro pela tragédia. E as duas crianças? Onde estão? Corro pela ilha novamente tentando encontra-los, mas não vejo ninguém. Meu estômago doí. Ainda chorando tento me focar em sobreviver. Sem muitas esperanças, já que à minha volta vejo somente os mesmos tons de azul. A fome já controlara meus passos me guiando para o primeiro pé de banana que vejo pela frente, e mesmo com os frutos ainda verdes, após comer cinco ou seis com voracidade, colho o máximo que posso carregar.
E já satisfeita, com um lindo por do sol tento dormir. Mas não consigo, tenho medo de adormecer. Tento me lembrar de algo mais, rezo para que as crianças estejam bem, mas sei que as chances são mínimas. Já impaciente volto a apalpar os bolsos. E encontro para minha surpresa uma caixa de fósforos com poucos palitos. Acendo uma fogueira e deito-me junta ao fogo, observando a imensidão de estralas no céu, e escutando o ritmado som das ondas colidindo contra as pedras e a areia. Até que o cansaço vence meus olhos medrosos de se fecharem.
O calor e a luz do sol e despertam novamente. Porém para minha tristeza, ainda estou na mesma ilha, e os tons de azul são os mesmos.
Os dias se passam, as bananas lentamente acabam. Mesmo sem espelho para comprovar, me sinto com uma aparência selvagem. O canivete se tornou minha arma mais poderosa. Pescava alguns peixes e caçava pássaros e pequenos roedores. Os palitos de fósforo me garantiam o fogo para assa-los e para me manter aquecida. Mas aquele elástico foi o mais útil de todos os utensílios. Com ele prendia e soltava meus longos cabelos já sujos, oleosos e muito embaraçados; fiz também um torniquete quando me cortei meu pé em uma pedra; ou ainda um estilingue que me auxiliou nas caçadas. Sem contar as inúmeras improvisações que ele me proporcionou.
Mais dias de passavam, e todos, com os mesmos tons de azul. Já começara a me esquecer das palavras, nem mesmo meu nome conseguia me lembrar.
O céu. O mar. Palmeiras, arbustos, pedras, areia. O assobio dos pássaros, do vento, o som das ondas. O gosto salgado no ar que respiro. Os mesmos tons de azul... O mar, a água, um barco... UM BARCO!!! Pego o último fósforo da caixa e coloco fogo em tudo que vejo, apara que eles pudessem me avistar. O barco de vira em minha direção, e eu solto grunhidos de alegria. Os marinheiros me socorrem. Já estou fraca, doente, com o pé infeccionado. Mas estou salva. Enfim estou salva. Aquele tormento, pesadelo, acabara. Os tripulantes tentam se comunicar comigo, e eu olhando para eles com ar de dúvida, sem entender o que diziam, lembrando-me de somente uma palavra disse “azul”.
E assim me apelidaram: Azul, a sobrevivente do desconhecido.

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