segunda-feira, 27 de junho de 2011

Conto: Tarde demais

Era um dia chuvoso, nublado, o típico clima frio úmido e constante de Londres. Ao raiar do dia duas pessoas conversavam ao telefone, confirmando o encontro entre o quarto e o quinto poste da London Brigde às 00h34 do dia seguinte. Nesse intervalo, a cidade congelou. Todos estavam no acolher de suas casas em pleno domingo de outono, como se pressentissem que algo estaria a acontecer. Um dos comparsas pensou duas vezes antes de fazer o que planejava, mas não deixou que o medo e o possível arrependimento o impedisse de se vingar do que havia o colocado esse sentimento dentro dele.
Foi a casa de sua mãe a procura de respostas, esclarecimentos, e de dizer adeus a única pessoa que salvava sua vida de ser vazia. Por um momento hesitou em realizar sua tarefa. Enquanto conversava com a mulher que lhe dera a vida e que claramente lhe ama muito, começou a se consumir pela culpa, mas era tarde demais para desistir de tudo, ele estava a apenas um passo de se realizar, de se sentir justiçado ao menos uma vez.
Ele e sua mãe fizeram uma retrospectiva, ao começar por quando seu pai lhe separou de sua mãe, e abusava dele, sexualmente, moralmente. Ainda um garoto trabalhava por sua própria comida, era maltratado, judiado e então desde criança se tornou uma pessoa amargurada, que não conseguia ver bondade ou beleza no mundo. Carregava consigo uma única foto que tinha de sua mãe e sem mesmo conhece-la rezava por encontra-la e quando o fizesse, que ela ainda o amasse mesmo depois do que ele iria fazer para mudar sua situação. Com a foto em uma mão e o punhal em outra, tirou a vida da pessoa que tanto odiava. No meio da noite matou seu pai e saiu correndo daquele lugar horrível. Procurava por sua mãe, mas até encontra-la passou por muitas dificuldades, fome, frio, as cicatrizes guardavam cada agonia, cada lágrima derramada pela falta de escrúpulos do pai. Era ríspido e deselegante com tudo e com todos, ainda mais depois que fora preso por derramar muito sangue com sua intolerância.
Quando encontrou sua mãe já quase não falava, seus hábitos eram facilmente comparados com os de um animal, mas a foto, ainda a guardava em seu bolso. O encontro fora provavelmente o único momento que lhe valera a pena. Mesmo após o encontro era uma adolescente diferente dos demais. Havia sofrido muito e a sociedade com seus preconceitos e discriminações não ajudava a se tornar uma pessoa melhor.
Mas além dos tempos difíceis, mãe e filho, ali sentados, naquela estranha situação conseguiram encontrar uma pequena medida de paz em poucos momentos de alegrias e risadas que os dois passaram juntos.
Novamente a dúvida lhe consumia. E acima de tudo, não gostaria que sua mãe presenciasse a desgraça que ira proporcionar em troca de justiça. De repente, o filho com muita rispidez mandou que sua mãe fizesse o que ele dissesse sem pestanejar. Mandou que ela fosse para a cidade próxima e se acomodasse na casa de sua irmã, disse também que não queria perguntas. A mãe chorando, já sabia do que o filho era capaz. Não quis discutir. Sabia que seu filho não era uma pessoa ruim, fora a vida que somente lhe mostrara seu lado escuro, e se agora chegara a esta conclusão é porque não lhe restavam opções. Arrumou sua humilde trouxa de poucas roupas e uma escova de dente, e fez o que lhe foi mandado. Aos prantos, agarrou o filho nos braços e disse-lhe ao pé do ouvido que lhe amaria não importa o que aconteça.
Com muito custo se despediram. Eram 21h20 e ainda tinha uma última coisa a fazer. Chegou em casa e seu preparou para as 150 chibatadas em suas costas nua. O sofrimento era enorme, mas era uma castigo justo para o que causaria. Enquanto se mutilava, pensava na palavra justo. Nem largo nem apertado, nem quente nem frio, nem bom nem ruim, justo. A medida mediana, o termo médio. Uma pequena esperança de servir a todos na mesma proporção, sem nenhuma discriminação, é o mesmo para o rico e para o pobre, o mesmo para o feio e o bonito, o mesmo para o certo e o errado, o justo.
Ao acabar, as costas sangrentas ardiam, mas já havia se acostumado com a dor, era este o principal castigo que seu pai lhe dava, e desde o assassinato do pai, criara o hábito de se punir por seus atos. Tomou um banho, e com a água batendo em seus ombros para limpar o local, se sentiu determinado. Arrumou-se e saiu de casa.
Sua respiração era rápida e inconstante. Esperava pelo companheiro no lugar combinado. Checou o relógio, 00h32, avistou o companheiro, sua pontualidade britânica o impedira de atrasar. Uma pessoa se aproximou, ambos tentaram o espantar dali com palavrões e pontapés. O pobre e inocente desconhecido saiu correndo gritando a polícia, mal sabia ele que mesmo que fosse atendido, seria tarde demais. Os comparsas se entreolharam, estavam nervosos, as mãos suavam. Nosso protagonista percebera que havia se tornado o que mais temia: seu pai.
Tudo fora rápido demais. O disparo é dado. A ponte vai por água a baixo, assim como tudo que estava a sua volta. Acabou. Tudo havia acabado.
As investigações eram inúteis, a população abalada passara os próximos dias refletindo sobre aquele pequeno grande ato de dois desconhecidos, por razões desconhecidas, com uma motivação única: se rebelar contra atitudes egoístas e desrespeitosas.
Alguns os julgaram como rebeldes, outros como delinquentes, outros como justos, loucos, psicopatas... Mas aquela mãe assustada e compreensível ainda o considerava seu filho.

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